Um grande obstáculo nas pesquisas em busca da cura para a infecção de HIV é que ele pode se “esconder” dentro de células humanas, adotando uma forma latente que impede sua localização por drogas ou pelo sistema imune. Cientistas anunciaram nesta quarta-feira o sucesso de dois diferentes métodos para “desentocar” o vírus da Aids.
Para tal, os pesquisadores usaram drogas que fazem com que o HIV saia da latência e comece a produzir as proteínas que o compõem, deixando-o exposto.
Um dos experimentos, liderado por Victor Garcia, de Chapel Hill, usou a AZD5588, droga originalmente criada para tratamento de câncer, que também atua numa cadeia de reações imunes.
“Essa abordagem promissora para reversão da latência — em combinação com as ferramentas apropriadas para a liberação sistêmica da infecção por HIV — aumenta muito as oportunidades para liberação”, escreveu o cientista com seus coautores em estudo na revista científica Nature, que publica o trabalho.
O outro, liderado por Guido Silvestri, sai na mesma edição, descrevendo uma estratégia diferente. O grupo de Atlanta usou uma combinação de drogas para, ao mesmo tempo, inibir um tipo de célula imune que cala a atividade do vírus em sua presença (os linfócitos T CD8) e aumenta a produção de interleucina, uma molécula que atua na regulação da imunidade.
Os dois grupos de pesquisa interagiram e colaboraram um com o outro, mas demonstraram cada um deles a eficácia de seus métodos em dois modelos experimentais consagrados de pesquisa. Um deles foi a infecção de macacos resos pelo SIV, o vírus análogo ao HIV que infecta símios. O outro foi a infecção por HIV em “camundongos humanizados”, um tipo especial de cobaia.
Como o HIV é capaz de infectar apenas humanos, cientistas alteraram a medula óssea de camundongos, usando tecido humano, para que esses roedores passassem a produzir células vulneráveis ao vírus da Aids.
Assustar e matar
E, tanto nos símios quanto nos roedores, as diferentes estratégias para desentocar o HIV de seu esconderijo funcionaram. Os pesquisadores manifestam esperança de que a estratégia shock and kill (provocar o vírus para depois matá-lo) possa se tornar realidade para humanos. Um passo importante para a transição até testes clínicos é usar antirretrovirais para demonstrar a fase do “kill” (matar) em animais, porque os estudos atuais se dedicaram apenas ao “shock” (assustar).
Apesar de reconhecerem que há um longo de caminho de pesquisa pela frente, cientistas não relacionados com os dois estudos expressaram otimismo.
Um desafio a ser enfrentado, ainda, é a habilidade do vírus de plantar seu código genético dentro do DNA. Não está claro ainda se isso pode sabotar as ambições dos pesquisadores na busca da cura, porque o HIV poderia em tese se recriar a partir dos cromossomos humanos. E é preciso saber, também, se há algum grupo de células que resiste às terapias criadas agora para impedir o vírus de se esconder.
“A estratégia shock and kill ainda é em grande medida um conceito teórico, não uma realidade terapêutica”, escreveu Mathias Lichterfield, do Hospital Brigham and Women’s, de Boston, em um artigo de comentário encomendado pela Nature. Em sua opinião, porém, os trabalhos de Garcia e Silvestri “parecem ser as intervenções mais robustas demonstradas até hoje para perturbar a latência dos vírus”.
Hoje, soropositivos conseguem atingir sobrevida de longo prazo, e a infecção já vem sendo descrita por alguns médicos como uma doença crônica tratável. Os antirretrovirais, porém, provocam a resistência do HIV em alguns casos, e em alguns pacientes o organismo não se adapta bem à droga no longo prazo. A busca de uma cura, por isso, ainda é considerada uma meta de pesquisa importante.
FONTE: O GLOBO