Quantas vezes você já ouviu as frases: “deixa ele (a), é a aborrência’ ou “é frescura, já já passa”? Mesmo sem dar conta, você pode estar lidando com um transtorno depressivo, ou até mesmo auxiliando para que a pessoa sinta-se ainda pior.
A reportagem do IN entrevistou a psicóloga Jéssica Aline da Costa Lima, especialista Psicoterapia Psicanalítica sobre Depressão na adolescência, assunto de extrema importância na atualidade. Confira:
IN – O que é depressão?
Jéssica – É um tipo sofrimento psíquico que tem como principal característica a perda do prazer em atividades comuns do cotidiano do indivíduo. De modo geral, é um estado de apatia e tristeza persistente que limita a condição de desejar, produzir e se relacionar. Para a psicanálise, a depressão está relacionada com as dificuldades de realizar os lutos da vida, as perdas que experenciamos e que foram mal elaboradas em nosso psiquismo como, por exemplo, o rompimento de um relacionamento, a saída de um emprego, alguma mudança da vida ou o falecimento de ente querido.
IN – O que causa a depressão em jovens?
Jéssica – Não existe uma única causa para depressão, o adoecimento depressivo é multifatorial, envolve tantos fatores externos (ambientais) quanto internos (psíquicos) que organiza esse sintoma. Podemos falar então de alguns possíveis gatilhos que podem colaborar para o desenvolvimento da depressão entre os jovens (mas tudo vai depender da junção de outros fatores) como, por exemplo, as decepções amorosas, o bulling, a baixa auto-estima e outras demais dificuldades mais acentuadas desse período.
IN – Por que tão cedo os jovens são acometidos pela depressão?
Jéssica – A depressão é um sofrimento antigo que tem sido cada vez mais crescente em jovens e tem ganhado maior visibilidade nos tempos atuais como uma das consequências do modo de viver da sociedade capitalista contemporânea. A adolescência é um período do desenvolvimento humano muito delicado, que envolve várias mudanças biológicas e psicológicas permeando a vida dos jovens por desafios em relação a sua formação identitária. É um momento transitório entre a infância e a vida adulta que naturalmente está marcado por algumas perdas e ganhos: a perda do corpo infantil com o aumento dos hormônios e a consequente transformação corporal; a diminuição da proteção absoluta dos pais e a exigência de maior responsabilidade com suas escolhas e decisões; o amadurecimento da sexualidade e o surgimento dos interesses amorosos; a busca por maior autonomia e independência, além da definição da sua identidade e personalidade. Com muitos altos e baixos, tudo isso pode ser vivido de modo muito turbulento pelo adolescente, a depender dos fatores internos e externos. Os efeitos desse período podem colaborar no desenvolvimento de uma depressão.
IN – Depressão é hereditária?
Jéssica – Em algumas depressões há pré-disposição genética, mas elas não são determinantes de forma isolada para seu aparecimento. Pode haver uma propensão maior de uma pessoa desenvolver uma depressão se tiver algum familiar de primeiro grau, mas precisamos sempre lembrar que o desenvolvimento de uma depressão é bem mais complexo, envolve um conjunto de fatores que não estão relacionados somente a genética, mas a outros tantos fatores como ao ambiente em que a pessoa vive, como são suas relações, como é sua condição emocional etc.
IN – Quais sintomas de quem pode estar com depressão?
Jéssica – Incapacidade de sentir prazer nas suas atividades, perda dos desejos e interesses que antes eram comuns, estado de vazio profundo e constante. Podem também surgir sintomas físicos, como perda do apetite, problemas com o sono (hipersonia ou insônia), cansaço frequente, dores que caminham pelo corpo. É importante lembrar que nem todo deprimido sentirá tristeza aparente, há formas depressivas em que a pessoa está em hipomania, carregada de energia, executando muitas atividades como uma forma defensiva de não fazer contato com seu estado de vazio.
IN – Como os pais podem perceber se seu filho está ou caminha para a depressão?
Jéssica – Observando o comportamento do filho. É importante que os pais conheçam a personalidade dos seus filhos ao ponto de detectarem alguma alteração incomum. Na adolescência é bem comum, que o adolescente deprimido comece a se isolar muito dos amigos e da família, que apresente um estado de irritação elevado, que aparente estar mais cansado e desinteressado nas coisas, algumas vezes, com episódios de choros constantes e até mesmo praticando a automutilação.
IN – Quais os tratamentos necessários para acompanhamento?
Jéssica – Faz-se necessário o acompanhamento psicológico e se os sintomas estiverem mais intensificados o tratamento psiquiátrico também será necessário. A psicoterapia junto com o tratamento medicamentoso é uma saída para depressão. Enquanto a psicoterapia trabalhará na origem do sintoma de modo a ajudar o jovem a perceber e gerenciar melhor suas emoções e reações, os medicamentos ajudarão na diminuição dos sintomas físicos. Fazendo uma analogia ao estado febril, os psicotrópicos atuarão como “antitérmicos” abrandando a intensidade dos sintomas e a psicoterapia atuará como “analgésica” diminuindo a dor do sintoma.
IN – Como prevenir a depressão na adolescência?
Jéssica – O trabalho de prevenção precisa se dar muito antes da chegada da adolescência, o que desemboca na adolescência, muitas vezes, são resultados de uma infância emocionalmente difícil. Precisamos estar atentos às crianças e aos adolescentes sempre, observando como estão se desenvolvendo, como está sua relação consigo e com os outros, verificar se estão apresentando muitas dificuldades emocionais, se estão indo bem na escola. Os pais precisam considerar as particularidades do adolescer, respeitando as nuances conflitivas desse período, legitimar o sofrimento que o adolescente enfrenta e não achar que é tudo “frescura” ou “mimo” é um bom começo.
IN – O que os pais devem fazer para ajudar o filho com depressão?
Jéssica – Primeira coisa ao perceber que o filho está deprimido é buscar ajuda profissional e se oferecer como apoio, estar junto com atenção e verdadeiro interesse. Desenvolver um ambiente que seja possível o diálogo sem julgamentos, oferecendo uma escuta acolhedora. Desaconselho toda e qualquer postura que force uma positividade, do tipo “você tem que agradecer, eu te dou tudo”, “você ter que estar feliz, não tem motivos para estar assim”, “você não sabe o que é sofrer de verdade”. Pensa assim, se você estivesse profundamente triste como gostaria de ser tratado?
IN – A depressão é um fator que pode levar ao suicídio?
Jéssica – Sim, se essa pessoa estiver em um sofrimento muito profundo sem recursos para suportá-lo, o suicídio pode surgir como uma saída para neutralizá-lo. Tentar ou tirar a própria vida é sempre uma alternativa para quem não sabe o que fazer com a sua dor, que não encontrou saídas mais criativas, geralmente é alguém que está muito desemparado de si mesmo.
IN – Qual orientação para os pais?
Jéssica – Não ignorem os sinais de sofrimento dos seus filhos, a depressão muitas vezes, pode se apresentar de maneira sútil, ainda mais, se o ambiente familiar for de pouca conversa. Falar da vida emocional e construir intimidade na relação com os filhos deveria ser um hábito na família. Se preocupar em como seus filhos se sentem e reagem às frustrações/dificuldades da vida deveria ser uma prioridade assim como verificar se fazem as tarefas da escola, se estão alimentados, ou se estão com alguma dor física. Menos objetividade e mais subjetividade é que o que nossos jovens necessitam.