De iniciativa da Igreja Católica, projeto visa realocar os indígenas em uma área de terra em Ribeirão Branco e conta com apoio de representantes de igrejas evangélicas, da sociedade civil e de empresários.
A Diocese de Itapeva, através da Cáritas, está empenhando-se na criação de uma Reserva Indígena em Ribeirão Branco. Dom Arnaldo Carvalheiro Neto, bispo diocesano, conta como surgiu a inspiração para realizar esse projeto. “A ideia de criação da Reserva Tekoá YwyItawerá surgiu do olhar compassivo e misericordioso da Igreja para com esses nossos irmãos que jazem à beira do caminho. Somos chamados a ser uma Igreja Samaritana”, conta.
Os indígenas que estão sendo realocados de local, vivem atualmente numa área pequena (4 alqueires), em Itaporanga. A nova reserva compreende 27 alqueires com boa parte de área preservada de propriedade da Mitra Diocesana de Itapeva. No entanto, existe um problema que vem dificultando essa mudança, posseiros estabeleceram no local há alguns anos e devido a isso existe um diálogocom eles para encontrar um caminho para que desocupem a área pacificamente, explica Dom Arnaldo.
O projeto conta com diversas entidades parceiras.
Em entrevista, Dom Arnaldo falou um pouco mais sobre todo o contexto que envolve a instalação da Reserva Tekoá Ywy Itawerá em Ribeirão Branco. Confira:
IN- Como surgiu a ideia da criação dessa reserva em Ribeirão Branco?
Dom Arnaldo- Para mim é sempre um prazer falar sobre esse projeto da criação da reserva indígena Tekoá YwyItawerá, no Distrito de Itaboa, em Ribeirão Branco. Como surgiu? Surgiu do olhar solidário da Igreja para aqueles que estão à margem no caminho. A missão da igreja é evangelizar: evangelizar significa anunciar a boa notícia de Deus que quer promover a vida plena para todos, em especial os pobres. Evangelizar implica na defesa da vidae da dignidade humana, preferencialmente para quem vive num estado de vulnerabilidade e exclusão social.
IN- E como o senhor vê essa situação de vulnerabilidade em nossa região?
Dom Arnaldo- Ao chegar em Itapeva conheci a realidade dos catadores e das catadoras do nosso lixão municipal. A partir disso, organizamos o Movimento Viva Janaína Alves, que reuniu diversas entidades da sociedade civil, como também algumas Igrejas Evangélicas, para dialogar com o poder público a fim de encontrar caminhos de superação dos graves problemas que envolviam aquelas pessoas e o meio ambiente. A criação da Cooperativa Santa Maria foi o resultado concreto desse mutirão em favor da vida. Além dos catadores e das catadoras, acompanhamos a situação de algumas famílias de refugiados venezuelanos que moram em nossa cidade e das pessoas que vivem em situação de rua. No entanto, ao andar pelo território da minha Diocese, deparei-me com a realidade de algumas comunidades indígenas em Itaporanga e Barão de Antonina, que vivem numa situação de muita precariedade. Ao promover o Sínodo para a Amazônia, o Papa Francisco pediu a toda a Igreja que tivesse um olhar atento para a situação dos povos originários e do meio ambiente. Há mais de quinhentos anos, desde a chegada dos portugueses, os povos indígenas sofrem uma dura opressão devido à sistemática violação dos seus direitos, dentre eles: o direito à terra e à preservação das suas culturas. Em resposta a esse apelo, iniciamos um diálogo com alguns indígenas da aldeia Tekoá Porã, de Itaporanga e oferecemos a eles uma propriedade da Mitra Diocesana de Itapeva situada em Ribeirão Branco, conhecida como Fazenda Palmeira, de aproximadamente 27 alqueires, com muita mata preservada. Interessante notar que assim como eu, muita gente nem tinha conhecimento da presença deles em nosso território.
IN-E como foram os trabalhos para a realização do projeto?
Dom Arnaldo- A exemplo do que aconteceu com o Movimento Viva Janaína Alves, chamamos diversas entidades e criamos uma rede de parcerias. Inicialmente fizemos contato com a Cáritas Diocesana, a Associação Indígena, a Prefeitura e a Câmara Municipal de Ribeirão Branco, o ITESP, a UNES e a FUNAI para pensar na elaboração do projeto da criação de uma reserva indígena na Fazenda Palmeira, de propriedade da Igreja. Hoje são 21 entidades ao todo! A partir disso, realizamos um levantamento daquela área, procurando identificar a origem e o perfil de algumas famílias que moravam lá, bem como de pessoas que haviam adquirido partes daquela propriedade através de um processo de grilagem. E ficamos muito surpreendidos com a presença de pessoas associadas ao narcotráfico naquelas terras. No final do ano passado, começamos então a conversar com todos eles.
Dom Arnaldo- No começo essa conversa não foi muitotranquila. Porém, fizemo-nos valer dos princípios da Doutrina Social da Igreja, que se pautam no diálogo, no respeito e no comprometimento da promoção do Bem Comum. Fomos então nos aproximando de todos os envolvidos, conhecendo a realidade de cada família e atentando às suas necessidades. Propusemos então o pagamento de uma indenização justa para aqueles que desejassem sair de lá. Desse modo, já negociamos com oito posseiros que deixaram aquela área pacificamente. E algumas famílias indígenas já estão morando lá.
IN- E como estão as conversas em busca de parcerias para ajudar nesse projeto?
Dom Arnaldo – O trabalho das entidades parceiras está sendo de fundamental importância. Elas têm nos ajudado na captação de recursos para essa indenização. Uma das estratégias foi a formação de um Livro de Ouro. Sou muito grato a Deus por ver tanta solidariedade! Aqui podemos testemunhar a promoção da “Cultura do Encontro”, de que nos fala o Papa Francisco. O projeto da criação dessa Reserva Indígena está unindo pessoas de diferentes credos e ideologias em prol da defesa da vida e da cultura indígena e da preservação do nosso meio ambiente.
IN- E o que o senhor pode dizer para aquelas pessoas que ainda desconfiam desse projeto?
Dom Arnaldo- Sou um bispo católico, representante máximo da minha Igreja nesta região do sudoeste de São Paulo. Eu jamais comprometeria a imagem da Igreja a qual eu represento, se não fosse para defender e promover um grupo de pessoas sérias e idôneas. Conheço cada membro dessa comunidade indígena e tenho um grande respeito e admiração pelo cacique Valdir. Convido a todos para que conheçam esse projeto; que venham conversar conosco sobre ele. A desconfiança se esvai na medida em que conhecemos a realidade. E estamos todos empenhados em criar uma realidade bem bonita.
IN– Como ajudar nesse projeto?
Dom Arnaldo– Toda ajuda será bem-vinda! Quem quiser ajudar ou conhecer mais esse projeto, pode entrar em contato conosco, através da nossa Cúria Diocesana, ou conversar com uma das nossas entidades parceiras, dentre elas o grupo de voluntários “Amigos do Bem”, coordenado pela Sra. Márcia Primo.
IN- Qual o recado que o senhor deixa para as pessoas que querem ajudar e aquelas que já ajudaram?
Dom Arnaldo- “Sonho que se sonha só, é apenas um sonho. Sonho que se sonha juntos, é realidade”. Quero manifestar a minha sincera gratidão a todos os envolvidos nesse projeto! Num mundo tão marcado pela desesperança, precisamos nos unir para semear o bem e acreditar na força da união. Somente assim será possível escrevermos juntos uma nova história, pautada no amor, na promoção de justiça e da paz! O amor tudo alcança! Que nada, nem ninguém, roube a nossa esperança. E acreditemos sempre na solidariedade e na partilha, pois “mãos abertas, nunca são mãos vazias”.